Arrumou o pau dentro das calças e disse que ia esperar por ela no banheiro | DO Amor #126
Nem que fosse só mais uma vez, ele queria voltar a ser triste. Ansiava se aproveitar da melancolia e botar no papel aquelas palavras ásperas que, posteriormente, serviriam para gerar elogios. "Todo escritor que se preze tem que ser amargo e só", pensava em seus delírios literários. Tempos difíceis eram aqueles de um calor que inspirava felicidade e prazer. Não era bom para o cigarro que brigava em descer a garganta, a cerveja que, em vez de lhe servir de fardo, era o alívio que o impedia de reclamar.
Precisava sair.
Sabia que ela ainda andava pelas redondezas, aquela garota de olhos verdes puro sabor picante que só lhe causara problemas. Nunca soubera, na verdade, de onde surgiram os equívocos. Poderia ser a paixão que foi, ao mesmo tempo, arrebatadora e efêmera. Poderia apontar para o tesão em demasia, o sexo sujo exacerbado, os machucados , o excesso de fluidos, as putarias que, de catalisadoras de vontade, se transformavam em ofensas gratuitas, mas que apertava ainda mais a ereção ao ponto de doer, doer muito. Não conseguiria dizer se eram as discussões que vinham logo após as mais delicadas confissões amorosas de necessidade, de parceria eterna. Não sabia bem o quê, mas atinava que toda a carga de dor vinha dela, da relação que ele tinha com ela. Era lá, ao lado daquela mulher, que ele buscaria a redenção por meio do bagaço.
Tentou ligar, ninguém atendeu. Foi à casa dela, um cigarro após o outro, bateu na porta, não houve resposta. Gritou pela janela. Nada. Foi à manicure onde ela passava as tardes e dona do estabelecimento ameaçou ligar pra polícia. Nenhuma pista.
Ele praguejou enquanto acendia outro cigarro. Calor do cacete. Suas pernas flácidas foram levando-o de lá para cá, voltou ao predinho onde morava mas não entrou. Jogou o cigarro no chão, olhou a calçada suja, praguejou um pouco mais. Enfiou na cabeça que necessitava daquilo, da aflição de conversar com ela, da agonia e da angústia de não se fazer entender na briga, de repetir o mesmo protocolo e não ser correspondido. Seu talento para a escrita demandava o desgosto de encontrar com ela. Continuou andando.
Lá pelas tantas ligou de novo. Nada. Foi pro bar, o único lugar que escondia aquele sol lá pra fora. Pediu uma cachaça e uma cerveja pequena. A aguardente desceu que nem percebeu, tomando conta da goela com o gelado da cerveja. Xingou o garçom e empenhou-se em provocar dois clientes, sem sucesso. E então ela apareceu. Ficou sabendo da lambança toda que ele deixou como rastro por todo o bairro atrás dela e sentou-se na mesa, quieta. Ele se ajeitou na cadeira, os dedos pressionando o tampo da mesa, e disse que ela estava bonita. Ela mandou ele tomar no cu. Ele pediu uma cerveja pra ela e ela recusou. Disse que queria ficar de conversinha.
Ele se levantou, deu uma golada enorme na cerveja e, meio sem ar, arrumou o pau dentro das calças e disse que ia esperar por ela no banheiro. Ele se movimentou. Ela não. Sabia que era para tudo dar errado. Não ouvia os passos do salto alto em direção ao sanitário masculino. Respirou fundo, olhou a cara de paspalho no espelho sujo com os dizeres de que, toda terça-feira, o Carlão passava na segunda cabine e chupava até as bolas. Voltou para o centro do bar aos berros, chamando a pequena de nomes, de safada e de puta, de égua sem criação. Nem percebeu o som quase surdo da garrafa em direção à têmpora esquerda. Caiu e sentiu a dor. Também o caldo escuro de cheiro ferroso melando parte da cara. Ela saiu sem falar nada, o cara do balcão nem teve o empenho de ajudá-lo. Era mal quisto por onde quer que passasse.
Demorou, mas ele se levantou, sorrindo, e foi pra casa. Deu uma ou duas cambaleadas no caminho e dormiu sem tomar banho. Mais tarde, escreveu quarenta e duas páginas de um novo romance. Estava radiante, com olhos jubilosos.
Eu li os escritos e achei uma bosta.
Obs.: amigos escritores, não sejam babacas.