Pegou dezessete durante a quarentena | Do Amor #138
Foi lá pro número onze, ou doze, que ela se ligou como tudo funcionava. Podia pegar geral sem que a saturnália em isolamento lhe implicasse qualquer contágio com o novo coronavírus. Puladinhas de cerca atrás de puladinhas de cerca que não poriam em risco nem ela nem seu marido. Estavam já há mais de cento e vinte isolados no pequeno apartamento no centro, e só saíam da porta para fora para pegar delivery e o mercado que vinha a cada quinze dias. De resto, era ela e ele.
Logo de cara travaram um silencioso pacto de maior auxílio e liberdade. Sabiam do companheirismo um do outro, mas também adquiriram claro conhecimento de que um precisava do respiro, de se estar em um cômodo sem o outro, de silêncio, a mínima autonomia feito ilhota num marzão brabo de vida a dois. E até que estavam conseguindo avançar bem. Trabahavam na mesma mesa de manhã e, aos poucos, cada um ia encontrando seus refúgios, pequenos afastamentos por conta de reuniões e concentração para lidar com números, escolher as palavras certas para os textos que estavam produzindo. Ele sabia que, quando ela respirava fundo fazendo um leve bico, sabia que na hora que os olhinhos dela pareciam agarrados no absoluto nada, era hora de procurar outras bandas. Ela precisava de mais superfície e ele dava espaço sempre que necessário. Zanzava descalço pela casa, escrevia um pouco sentado no tapete, botava as pernas mais roliças por conta da falta abrupta de exercícios sob o sol do meio dia perto da porta de entrada. E assim levavam.
Ela ficava orgulhosa de vê-lo fazendo confraternizaçõezinhas pelo Zoom, ficava com o ombro colado no batente da porta da cozinha vendo-o tocar violão pros amigos mais próximos, trocando sentimentalidades virtuais, mandando beijos. Amava todo o ritual, dele pensando em repertórios, se arrumando duas horas antes para ter certeza que ficaria bem na câmera. Sempre recebia seus convites para participar, mas ela preferia observá-los em vez de ser observada. Se colocava em um ângulo que não era pego pela câmera e deixava a farra rolar. Só que ela tinha lá suas vontades de ver outras pessoas. Não que não gostasse mais do companheiro, o contrário disso, via nele porto seguro o suficiente para navegar em outros cais, em se ensaboar noutras duchas. Era assim antes da pandemia, quando surgia a vontade, ia lá e lambuzava as mãos, se sujava toda com qualquer desconhecido, trocava de personas, não por desejar de outras, mas porque naqueles pequeninos recortes, lhe era permitido ser quem diabos quisesse. Fazia bem. Para ela e para ele, pois o importante na vida dela era ele, e ela sempre voltava mais desejosa e para os braços arredondados dele.
Mas estavam fazendo isolamento social! Trinta dias, um mês e meio, quase o trimestre, com possibilidades quase nulas de luzes em finais de túneis, ao contrário, os dias rastejavam e a sensação era de ver pessoas aglomeradas no fundo do poço munidas de sólidas pás para cavar um tico mais. Como? O que fazer? De que maneira seus desejos, não por sexo, isso tinha sobrando com seu par, mas a simples ânsia de estar com outra companhia, poderiam ter fim? O primeiro cara que ela pegou nesses tempos foi o Norberto, porteiro do trabalho dela. Era um grisalho meio sargento, com grossos pelos em cima dos lábios, um bigode severo. Mas foi na primeira escapada que viu-se caindo no clichê de se atracar com um macho que exalava testosterona. Pediu para ficar por baixo e foi uma menina comportada. Depois disso, prometeu para si que não faria mais. Mas, sem que pudesse controlar seu corpo, a maneira mole com que ele se entregava, lá estava ela, certo fim de tarde, em cima da mesa de uma cozinha que nunca tinha visto antes, sendo devorada por um cara que não lhe disse nem o nome, mas lembrava uma mistura de Sean Connery com Lázaro Ramos, o que a faria passar semanas tentando entender como poderia alguém ter inclinações baianas e escocesas ao mesmo tempo. Não trocou nada com seu esposo, não achou que deveria, que cabia expor seu hiato pessoal, se referir a sua vida privada. Apenas seguiu, comprometendo-se a ser mais presente, furar menos com seu querido acompanhante.
Mas não se segurou. Transou com duas amigas e com duas amigas dele e mais um garçom do bar que adoravam ir juntos, chamou para o banho uma prima distante, quatro ex-namorados e até um cara lindamente afeminado que tocava na banda que ela gostava de ver nos inferninhos ali do centro, em pé mesmo, sem muita conversa. Teve até uma vez que deu a sorte de começar um chamego com o Atila Iamarino, mas o vocabulário rebuscado tirou um pouco do fogo dela e ficou de tentar de novo em outra ocasião. "Eu te ligo", pensou rindo enquanto o via desaparecer na esquina enquanto olhava pela janela do quarto andar.
E como estava bom fugir um pouco daquele cárcere imposto pelo vírus, sem ter que sair de casa, sem precisar se arriscar furando quarentena por causa de afagos. Bastava balançar os pezinhos e chacoalhar o nariz com indecência que era de bate-pronto recompensada pelo eterno namorado, que fazia tudo como ela queria, no roteiro que ela dirigia. Daí era só deixar a respiração entrar no eixo, a cabeça ir involuntariamente buscar o rosto de alguém e era batata, estava no seu mundinho próprio fazendo o que lhe desse na telha com quem quer que aparecesse. E improvisava. Metia como se tocasse jazz. Às vezes ia para as nuvens, fazia barulhos, e tinha momentos que caía na gargalhada e voltava para onde realmente estava, e fazia o amorzinho que mais gostava com a pessoa que mais amava. E rezava, antes de dormir, que seu xodó pudesse fazer o mesmo. Porque era bem bom.
Pra escapar da mesmice da quarentena.
Obs.: as imagens que ilustram este post são da @petitesluxures.