Ela deu o telefone e ele foi ligar para marcar um encontro | Do Amor #140
Sua visão ficou atrapalhada por lampejos e lumes quando se despediu dela. Um beijo no canto da boca e a risadinha danada dava-lhe todas as confirmações possíveis de que ela estava na dele. Um docinho de garota, engraçada e de perguntas atenciosas. Foi ela quem deu a primeira abertura, questionando se ele se incomodaria de ela pegar o último cigarro do maço dele. As duas horas seguintes foram de um papo espetacular, ele gesticulava para explicar como escapuliu da diretora quando era moleque e fizera barbaridades na escola, ou apontando para a mão vazia fazendo as vezes de segurar um cachorro-quente que ele tentava fazê-la compreender o quão delicioso era o lanche que ele comia na frente da faculdade. Jurou levá-la um dia para experimentá-lo, o que a fez dar um tapinha boboca com a mão no peito dele.
Rumou para casa com passos maljeitosos, como se suas pernas tentassem a todo custo virar cento e oitenta graus de volta para onde estavam. É que seus cambitos não podiam de saber que, no bolso da calça, carregava consigo o telefone dela, um pedaço do maço dourado que ela tinha rasgado e ditado para ele escrever: "nove nove...". Cada número que escapulia por entre os dentinhos separados dela era competentemente rabiscado na embalagem com a caneta emprestada do garçom. Ela olhando para ele, ele com os olhos no garrancho. E então despediram-se, ela inclinando o corpo para frente, espremendo seu ombro no braço fino dele e ficando na pontinha do Vans sujo para que seus lábios alcançassem a bochecha quente dele. Em casa, fez a única questão de retirar com cuidado a preciosa anotação para não correr perigo de ir parar na máquina de lavar ou passar qualquer perigo. Repousou o extrato dourado na escrivaninha e demorou a cair no sono.
Na tarde seguinte, depois do bom banho, engatou uma marcha aflitiva no quarto atrás de encaixar a melhor situação na cabeça. Teve um encontro maravilhoso e tudo levava a crer que tinha chão para percorrerem juntos. Só não podia errar as próximas movimentações, provocar equívocos, meter os famosos pés pelas mãos. Para garantir, começou por largar o restolho do papel para não discar no celular mais rápido que sua cabeça pudesse ponderar. Tentou bsucá-la nas redes sociais, entender um pouco mais dela, dos gostos dela. Tentou com o que tinha, o primeiro nome dela, e claro que apareceu um mar de Anas. Procurou entrar na localização de onde se conheceram, ela poderia ter marcado o bar em alguma foto. Nada. saiu para almoçar na padaria, mastigou distraído, nem sentiu o gosto do que meteu goela abaixo. Esperaria até o começo da noite? Talvez fosse melhor deixá-la também organizar os pensamentos, dar dois ou três dias para não parecer desesperado, deixar assentar aquela poeira, se mostrar cool, tranquilo e impassível como Bruce Lee. Mas, numa trinca de manhãs, tardes e noites, poderia ela se desinteressar por completo, encontrar outro possível grande amor, o Bob Dylan ou Neil Young poderia lançar um disco naquele meio tempo e ambos estariam ocupados demais mastigando os novos álbuns. A pior situação seria de perder entre os dedos por prolongar demais o hiato. Ligaria assim que acabasse o Faustão. Mas não ligou. Nada rasgaria mais sua pequenina dignidade que ser taxado de carente e desesperado, alguém que rouba brigadeiros antes de cantar os parabéns. Mas não passaria de segunda. Tá aí. Ligaria como quem não quer muito, teriam tempo de trocar impressões e desejos durante todos os dias antes do sábado, quando poderiam, enfim, ter um novo encontro, talvez no mesmo bar, quem sabe perto da casa dela, definitivamente em algum lugar nas redondezas da casa dele, caso ela desejasse novos ares. Quarenta foram os minutos que ele levou decidindo se mandava ou não algum meme introdutório, uma figurinha fofa, qualquer print que ligasse os dois já na primeira risada. Optou, por fim, no clássico papel de preocupado. E a conversa começou e terminou como descrito abaixo:
[14:44, 18/08/2020] Robson: e aí? conseguiu ir no médico que tava precisando?
[14:47, 18/08/2020] Ana do bar do Grego: acho que mandou msg errada, amg
[14:47, 18/08/2020] Robson: Tu nao eh a ana?
[14:49, 18/08/2020] Ana do bar do Grego: hahaha nao
O ar preso. O agudo nos ouvidos. As costas latejando. Os dedos derretendo sobre o teclado virtual. A realidade e seus murros contra a têmpora.
[14:53, 18/08/2020] Robson: desculpa entao. fi engano.
[14:57, 18/08/2020] Ana do bar do Grego: eh nois. boa sorte, cara.
[14:58, 18/08/2020] Robson: ta certo. valeu. pra ti tb, irmão.
O amor prega umas peças de mal gosto.
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