Que merda, eu não paro de pensar nela | Do Amor #163
Eu nem bem giro a porra do registro no sentido anti horário e, em vez da água do chuveiro, o que me ensopa a cabeça são as lembranças dela. Ela gostava de me cheirar com esse sabonete. Aliás, nada fisgava mais as vontades dela que me ver saindo fresco do banho. Mas não tem mais ela nem os desejos dela. Sou só eu. E tá ótimo assim. Digo, a gente teve muito momento bom junto, mas, se chegou a hora de não sermos mais um casal, então, que ela seja feliz não sendo um casal que eu vou gozar deste afortunado momento solteiro para sentir de novo o mundo, o que o mundo quer me jogar no colo. Não é assim? Limonada a beça feita com os limões? Ela deve tá por aí, sorvendo laranjas e pêssegos, mastigando caju, melão amarelo. Puta.
É difícil pensar direito com a água gelada, já percebeu? Parece que deixa a gente mais ativo, aceso, acordado. E eu não tô afim de ficar alerta, me ver vivo. Deixa eu apertar um pouco mais essa vazão e experimentar o torpor da fumaça escondendo tudo o que tem lá fora do box de vidro. Eu sempre começo pelo saco. Lavar as partes, me ver limpo, o pau e o rabo, e daí eu posso ampliar para o resto do corpo. Ela faz o certo, o oposto, se introduz no banho pelo pé e depois vai penetrando até estar toda molhada. Daí ela lava, primeiro, os cabelos. Claro. A sujeira vai descendo, pescoço e seios, costas abaixo. Vou fazer assim, hoje. Pegar o shampoo e fazer como ela sempre fez, e não como eu costumo fazer, um cerdo porcalhão espalhando merda e sémen pelo corpo. Burro. Por que eu deixei ela. Bom. Foi bom. Deixa ela ir junto com a espuma da cabeça. Sai da minha cabeça.
Nem pra me mudar de cidade eu tive coragem. Fui embora da casa dela aos berros, explodindo uns vai tomar no cu, vomitando eu quero que você se foda, um terror. Se eu fosse ela, também nem fodendo me aceitaria de volta nem pra tomar um café na padaria da esquina. Eu atravessaria a rua, cuspiria no chão que passei. Esbravejei que sairia do raio de atenção dela, viveria em outro país. E nem da merda dessa cidade eu consegui sair. Deixa eu pegar o shampoo aqui. Mas sair pra quê? Por ela? Por causa dela? Nem sentido isso faz. Sei lá quantos vinte e um milhões de pessoas e eu vou trombar com quem? Com ela? Com ela com outro? deixa ela ser feliz com outro, o que eu tenho com isso? Eu até iria gostar. Deixa eu passar shampoo aqui. Um cara bronco, jaqueta de couro, aqueles pelinhos brancos de fora, na gola, tipo aviador. Estiloso, seguro, que não permitisse, sem precisar se mexer pra se impor, que eu tentasse algo, que eu caísse em recaídas. Ele certamente iria me ajudar, cumprimentaria a minha pessoa como se eu fosse inofensivo, como se me agradecesse por ter cuidado com tanto zelo da mina dele até ele aparecer na vida dela. Deixa eu passar shampoo agora. Fechar mais pra esquentar mais a água aqui. Sem dizer nada, ele acenaria tranquilo com a cabeça, e eu saberia do que se trataria, eu sei que cuidei bem dela, sempre comprei bons shampoos pra ela. Aliás, vou pegar rapidinho pra a cabeça aqui. Ela certamente fingiria não me conhecer, ou fingiria fingir que não sabe quem eu sou, porque se o novo namorado dela sabe, como ela não sabe? cadê o shampoo? Tá aqui. E então todos saberíamos, mas só ele e eu exporíamos isso e ela, não, ela manteria a ignorância pública para não tardar com essa ceninha. E eu iria embora tranquilo, seguro de saber que ela tá bem e que eu também estaria bem com ela bem, porque eu sou assim, generoso. Hoje eu vou começar o banho pela cabeça. Com shampoo. Nossa. O pote tá vazio.
Cacete, eu paguei mais de cem conto nisso.