Tomei um fora. E foi delicioso | Do Amor #164
É tipo gozar, só que vinte e duas vezes mais forte. A coxa relaxa, o tijolo que pouco antes dormia maciço no peito bate as asas e vai embora. Simples assim. Tinha, o que, anos que eu arrastava bonde atrás de bonde por ele. O pescoço pura carne, o jeito tipão de deixar as mãos na cintura enquanto prestava atenção no que você tava falando. O cara é um tesão, ele sabe disso e pouco de importa em te deixar menos tarada perto dele. Só que ele nunca ofertou uma frincha, uma entradinha de nada pra que eu pudesse sondar qual é a dele. Sempre me abraçou, nunca me deixou falando à toa, não teve uma vez sequer que os olhos dele, aquelas duas pelotas de escuridão, não estivessem fincados em atenção ao que eu dizia. Gostoso e solícito, que problemão pras minhas sedes.
Por isso, senti que precisava inundar aquele Saara. Lavar todas as dúvidas, encharcar o nosso papo pra, talvez, pra ver até onde alcançariam as braçadas daquele par de mão. Rápido não foi, quero dizer, a gente direto ia parar no bar, mas com os amigos da agência, atenção dividida, beber moderadamente. Quando dei carona, foi pra ele e mais dois, o prédio onde ele mora foi o segundo destino, pro meu azar e o daquele baixinho lá do financeiro que queria chegar logo em casa pra ver a eliminação, lá, do programa da tevê. A gente não fuma, então aparecer no cinzeiro do jardim estava fora de cogitação, ainda bem, aquela merda fede o diabo, mas aí deu nisso. Eu, apaixonadinha, e sem provar do gosto do moço. Tão perto, tão longe, sabe?
Ele se debruçava por cima do meu monitor, me cantarolava alguma piada, eu suava na nuca, ele deixava uma piscadela e seguia com seu dia, enquanto eu explodia, dia após dia, na cadeira. Daí semana passada ele sentou no meu colo, nessas tardes da noite, na pizza que supostamente seria prêmio pra quem fica mais tarde, mas na verdade é um setenta e dois avos do adicional noturno que a gente deveria ganhar, espremeu aquele bumbunzinho nas minhas pernas e ficamos uns bons minutos, só nós dois, banhados pela luz branca da minha tabela de excel, trocando amenidades do trabalho esperando a máquina dele renderizar qualquer coisa. A risada sedosa dele fazia nossos dois corpos tremelicar na cadeira, os silêncios que aconteciam por entre as conversinhas moles, me enfiavam em um grande paradoxo: quanto mais tempo sem ninguém abrir a boca, mais eu queria permanecer naquele lapso e mais chance eu tinha de falar dos meus desejos, abrir meu confessionário, deixar o cara a par de que eu tava bem afim de sentar, também, no colo dele. Outras vezes. E várias vezes. Mas acabou que eu iniciei meu mutismo e segui minha covardia. Não abri o bico. Mas o triplex que o gostoso havia montado na minha cabeça já estava mobiliado, quitado e com dois dos nossos três filhos brincando pelos corredores. Eu passei a esquecer onde o carro tinha ficado estacionado, o nome e sobrenome dele já estava no centro do autocompletar do meu celular, de tanto que eu visitava as fotos dele na rede, imaginar ele comentando de volta, que também tinha uma quedinha por mim, me fazia aceitar os prazos ruins de entrega de trabalho com toda a facilidade e cogitar ele me negando me colocava mais vezes por dia no banheiro feminino. Ou seja, acabou com meu sossego no emprego e também com a minha flora intestinal. Não tentar nada seria o mais seguro e prudente, mas não dava mais pra pegar refação pras duas da tarde e nem pra me esfolar com o papel higiênico da muquirana da agência. Esperei dar oito da noite, quem tinha ido já tinha ido, quem tava no bar já tava pagando a conta, e ele, lá, na mesa dele, se fodendo enquanto eu me fodia na minha. bati os joelhos, um contra o outro, pra pegar fôlego no levantar, fui escorregando até perto do colo dele e, sem me sentar, se arrependimento matasse, abri o jogo. Sim, tudo, o vômito enxovalhado dos amantes, o pacote completo, de a até z, a confissão de que gostava dele, o contar que não era daquele momento, nem daquele dia ou semana, mas o afirmar se tratar de eras no desejo, na fantasia, na imaginação. "Sempre fui afim". Ali, entregue, paradinha com as mãos juntas em frente ao corpo, como se segurasse minha dignidade entre elas. O meninão me sorriu um sorriso jovem, de meninão. Levantou-se da cadeira dele, meteu uma sombra sobre a minha pessoa, como uma hiena que gargalha ao ver indefesa sua pobre presa. Botou as mãos nos meus ombrinhos, e disse que achava tudo aquilo lindo, quase mágico, mas que não sentia o mesmo de volta. Admitiu, ao menos, que até me achava atraente, mas que estava impedido de seguir com qualquer gracejo por conta da responsabilidade afetiva que tinha comigo, que, mesmo que dizendo que tava bom só uma trepadinha, não seria justo ele fingir que seria só uma fodinha depois de ouvir toda a minha média devoção por ele. abaixou, cuidadoso, aquele peito enorme dele, para pressioná-lo contra o meu num abraço fraterno, e prometeu me pagar a primeira rodada nas próximas semanas, até que nós dois ficássemos bem, os amigos que sempre fomos e seguiríamos sendo.
E aí foi tipo gozar, só que vinte e duas vezes mais forte. Minhas coxas relaxaram e o tijolo que, pouco antes, dormia maciço no meu peito bateu as asas e foi-se embora. Simples assim. Flutuei demorada até a minha estação de trabalho. A vida seguiu após o não. Deixou de empacar toda vez que eu o via.Quando ele saiu da agência eu deixei na mochila dele um bilhete dizendo que tava feliz demais de ver alguém deixando aquele inferno. Desenhei uns foguinhos e tudo.
Agora espero, de coração, que ele me indique lá no trabalho novo dele. A vida após essa agência deve ser linda demais.