Me vendeu chandanga falando que era picanha | Do Amor #165
No Maranhão, Xandanga, assim, com a letra xis no começo, quer dizer vulva. Vá lá, deve querer dizer boceta, quem em sã consciência vai falar vulva fora de um consultório? Até porque, não sei bem, vai ver eu tô conversando pouco de boceta por aí, mas não devem ter muitos assuntos que envolvam partes de uma boceta, e não a boceta como um todo, uma espécie de metonímia virada de ponta cabeça, colocada do avesso, em que você dá o todo querendo dizer a parte, tá coçando meu pau aqui, quando quer falar da cabeça somente, ou o saco como uma estrutura parte da coisa toda, ou até então a curuba que dá de coçar no campinho de futebol, aquele espaço entre o saco e o ânus, o pior lugar para incomodar, de difícil acesso, tabuzão, eu até falei ânus em vez de rabo ou mesmo cu, porque parece chulo demais.
Chulo, isso! É o mesmo esquema. Não a palavra, a pegadinha do começo. Eu pensei que não tinha Chandanga com xis, só com cê agá, chandanga, que é uma cópia barata da picanha, é que nem um colchão duro, uma pontinha da picanha, mas que não é picanha. Daí fui saber que lá pros lados do Maranhão, xandanga com xis é vulva. Vou ficar na vulva porque foi o que escutei, não quero penetrar nas empolgações de jogar aos quatro ventos uma informação superfaturada, se é vulva, então vai ser a vulva. Mas nem era disso que eu queria falar, era da chandanga ruim, a carne. Tudo bem, a picanha pode ser sobrevalorizada, nem é tão especial assim, chega a ser de fácil manuseio, em casa mesmo você dá conta dela, as pessoas correm atrás de picanha em churrasco como se fosse uma chandanga.
Só que o problema tá no valor. A chandanga é mais barata que a picanha, logo, tentar me vender chandanga falando que é picanha poderia ser considerado ladroagem bem das sacanas. Tentar me passar para trás eu entendo, olha onde a gente tá vivendo? Vai no posto, vai no mercado? Então. Tá todo mundo tentando salvar a sua. Agora, gatunar subestimando o tico de nada de intelecto que eu tenho, aí chega me corta o coração. Eu sou burro, mas não sou otário. Não é que nem os americano lá que não tão mais de vacinando, que não são burros, mas são bem otários, não, a gente aqui falta estudo, carece de escola, mas a gente sabe fazer por onde olha aí, vacina até em criança, quando tem. Então, quando eu botei os dois pés lá no açougue do Seu Gotardo e a garota, filha dele, me atendeu com um sorriso de outdoor, pegou na minha mão, anunciando as promoções como se me contasse Shakespeare, mastigando os preços com aqueles dentões brancos e alinhados, esticando e enrugando as sardinhas no nariz que nem quando a gente amassa e estiva o lençol fresco para botar na cama nova, eu caí feito pato batido, levei três quilos de chandanga como se fossem belos nacos de picanha. Só notei em casa a imperspicácia, entrei com as quatro patas na jumentada e só a troca imediata poderia me botar de novo nos eixos, tamanha a destemperança que me abraçou.
Eu voltei feito trovoada para a loja de corte e, lá, fui novamente recepcionado pela filha do Seu Gotardo, a menina das pintinhas na fuça e boca de meia lua. A garota quase se liquefez da cabeça aos pés quando eu lhe apliquei meu lamento. Chorou um chorinho ardido, como se lhe ardessem as narinas a empurrar gotas de água para fora dos olhos. Pediu clemências apertando minha mão inteira dentro das mãozinhas dela. Era para devolver o dinheiro todo, segundo ela, e que eu ficasse, ainda por cima, com a carne errada além da certa. E isso eu não deixaria acontecer, a justiça não ficaria certa com a injustiça minha de levar dois por um. Eu empurrava a sacolinha de chandanga para ela e a moça me jogava de volta as carnes com o cotovelo, enquanto rogava fazendo conta com a ponta dos meus dedos. Foram instantes decisivos naquele vai e naquele vem. Não aparecia clientes novos, o Seu Gotardo atarantado demais nos fundos a recortar um porco em partes e o porém só foi resolvido quando eu chamei a filha dele pra sair. Ela ficou de pensar e avisou no mesmo dia que topava. Fiquei com a Chandanga no lugar da picanha e brinquei no primeiro encontro que ela tinha levado vantagem ao me fazer comer chandanga. Ela botou os cotovelos na mesa, como se me pedisse para aproximar e escutar algum sussurro dela. Pertinho, meu ouvido dos dentes lindos e enormes dela, escutei a pergunta: "Me conta, aqui, vai, você sabe o que é xandanga? Não com cê agá, mas com xis, lá do maranhão?".
O amor ensina cada coisa pra gente.