Me devolve todos esses corações aí | Do Amor #171
Ele sempre falava para os amigos, enquanto os dedões brigavam contra a tela do celular, "tem que alimentar a autoestima da sua gata, irmão". Dava três likes nas fotos dela e distribuía corações, também, para os bons comentários que enalteciam a beleza dela, as cores das fotos dela, o tamanho da raba que ela tinha. Seu método exigia três turnos fáceis. O primeiro, logo pela manhã, antes mesmo de sair da cama, coisa simples, abre o app, o algoritmo já programadinho para botar as postagens dela logo nas primeiras descidas da timeline e tome-lhe coraçãozinho vermelho. Depois do almoço, outra rodada de likes e logo que chegava em casa, à noite, depois do trabalho. A gata que tava na dele agradecia todos os dias. Falava da cautela dele, da atenção que fazia bem, do primor que ele tinha em nunca deixá-la se sentir menor. Ganhava, com isso, pequenas recompensas. Uma foto mais quente num dia, um áudio dela ronronando agrados no outro.
Era o trabalho mais fácil do mundo, ele repetia para ela sempre que recebia as aprovações da mina. Voltava nas fotos que mais gostava, puxava as pontas para aumentar a aproximação no corpinho dela, na sinuosidade confiante do quadril dela jogado de lado para fazer valer-se na pose. Mãozinhas no cabelo, pontinha de um dos pés, os olhos pregados no chão ou maliciosamente ocultos pelos óculos escuros. De biquíni na praia, de biquíni na quina da cama, no quarto que ele já memorizara toda a decoração, de frente para o espelho, a língua pontudinha pra fora enquanto enrugava no nariz redondo. Escafandrava cada vez mais fundo, segurando o ar, com cada vez mais afinco, minerando toda novidadezinha da sua garota nas redes sociais. E ia lá elogiá-la. Falavam das viagens que já tinham feito e das que poderiam fazer, dos lugares que gostariam de se aventurar. Ele fazia juras de levá-la até Barbados, onde a Rihanna era deusa, heroína. Contava que estava aprendendo mais técnicas de fotografia, que seria o parceiro ideal de viagens porque registraria cada lugar lindo com ela na frente. "Você deixa qualquer paisagem ainda mais bonita", ele despejava na caixa de mensagens para derreter as vontadinhas dela.
Toda vez que ele falava com ela e o assunto acabava chegando nas praias do Caribe, ele abria a conta corrente no celular para apreciar suas parcas, mas justíssimas economias, que um dia somariam o montante adequado para que viajassem os dois de avião com hotel reservado e cartão gordo para trazer na mesa ou então na areia da praia quantas bebidinhas ela quisesse. Faria massagem nas costas nuas dela, topless em Barbados quebraria a timeline dela. Era tudo surpresa, ele comentava dos desejos de levá-la para viajar, mas não revelava que estava com o plano em pleno curso. Mas antes de embarcar rumo às Antilhas, Nada os impedia de tomar uma cervejinha no bar da esquina, na saída do trabalho dele, na entrada da faculdade dela. Levaria-a, certamente, até a porta da casa dela depois, se houvesse necessidade, se ela aceitasse a carona. Não tentaria nada de despudorado, a não ser que ela tivesse interesse em algum tipo de despudoramento. Não seria nada ruim pousar as mãos sobre as coxas dela, nem trazer o pescoço dela mais para perto da boca dele. Se beijariam e seria o máximo. Ela iria adorar, assim como iria adorar também correr o mundo junto com ele, sacando fotos dela linda nas paisagens mais exuberantes. Ela no centro, a luz boa, uma variedade pornográfica de roupas de banho com listras, elásticos e tipos de amarração. Passaria horas aguardando a montagem dos looks dela. Levantou-se num sobressalto, como que para escapar dos devaneios e partiu para o mundo real. Chamou sua garota para sair. Esperou um minuto e depois mais doze. Percebeu que ela visualizou seu aceno para tomar alguma coisa e respondeu com um "oi". Deixou-o aguardando mais doze quando disse que gostava dele e dos likes dele, que os elogios que ele fazia para ela eram únicos e mudavam de verdade o dia dela. Mas que não estava com cabeça ou tempo para encontros, para namorados. Tinha de estudar, precisava de passar mais tempo com as amigas, confessou que sua última relação a deixou meio arisca a aproximações, mas ressaltou o carinho que tinha por ele, o apreço que criou com o zelo dele para com ela. terminou dizendo que esperava que ele compreendesse e que seguissem se falando. "Você é importante para mim", enfim, concluiu.
Ele respondeu secamente com um "uhum, claro" e passou a madrugada insone, tirando todos os likes que algum dia tinha dado para ela. Foto por foto, comentário por comentário, lá foi ele tirar um like de cada exposição que já deu atenção no perfil daquela garota.
Fez isso até o ano de 2015.
E tirou o download da playlist da Rihanna do seu Spotify.