Olha, seria complicado morrer ao seu lado, tá | Do Amor #191

"É só a caroninha, hein? Você pode me levar?". E então ele destravou a porta do passageiro e eles partiram. Ela pedia, com as mãos entre os cabelos, para que ele dirigisse com atenção, que independente do que ela fizesse, não era para ele tirar os malditos olhos da estrada. Era para ele continuar, a próxima curva, a próxima saída. Ele perguntou se não poderia dar um tempo, estacionar num postinho ou onde dormem os caminhoneiros, mas ela fechou todos os vidros do carro e tirou o pau dele de dentro da bermuda. Ele dizia ter uma esposa perturbada pela vidinha morosa de dona de casa. Mandava ela seguir algo na vida que desse sentido, mas ela tomava dezessete remédios todos os dias, para dormir e par acordar, para ter fome e para sanar as dores estomacais, para fazer diminuir os gritos que ela dava em fortes espasmos de desespero que geralmente resultava em algum prato quebrado ou toneladas de roupas atiradas pela janela. Dizia que o respiro dele era viajar três semanas seguidas para visitar as filiais da empresa que trabalhava e, nos dias em que estava de volta na cidade, se enfurnava em seu escritório para deixar prontos todos os relatórios que tinha de apresentar aos sócios no final do mês. Como estava indo para esses dias de, segundo ele, martírio e privações, não se fez de rogado quando ela iniciou com as lambidas em sua rola. Ela não tinha ninguém para chamar de maluco, nenhum parente despirocado nem namorado ciumento. Ao contrário, tinha dias intermináveis de tédio e só se divertia quando conseguia alguma conquista depois de dias caçando algum cara de meia idade que não ficaria também no pé dela depois de qualquer aventura. E, às vezes, chupava alguém desconhecido na estrada. Eram fragmentos de uma sacanagem inebriante.

Os olhos vívidos dela, que mais pareciam os de uma cachorrinha orgulhosa do dever, brilhavam a cada luz de freio que aparecia. Ela sugava toda a vida feliz pelos olhos abertos encarando as caretas dele. Ele, então, gemia mole e tentava avisá-la puxando-a pelos fundilhos da calça que estava perdendo o juízo e foco na estrada, entre a comoção do boquete e a racionalidade de guiar um veículo de uma tonelada e meia. Comentou meio lamurioso com os rodopios da língua dela que ela estava linda naquela jaquetinha avermelhada, de uma lona meio brilhante. Ele passava as mãos no couro como se acarinhasse um filhote. Ela lhe confidenciou que o plano era sair naquela noite com uma camisa branca de gola e punhos num azul marinho intenso. Disse que os homens com quem saía  elogiavam muito. Mas ele preferiu, em sua imaginação, o casaco. Eles corriam cada vez mais rápido, mãos dadas, o topete dela brigando contra a braguilha aberta dele. Ele só queria guardar aquela cena toda na cabeça ou no celular, mas não conseguiria nem fodendo ficar com uma mão no volante outra no aparelho enquanto recebia dirigindo uma chupada. Nunca tinha sido tão feliz quanto dentro daquele carro com a boca dela esquentando ele.


Quando o caminhão amassou o capô do motor, foi esse o único arrependimento do motorista, o de não ter gravado tudo. Ela, a mulher, ficou só com a repetida ideia de que seria confundida com uma amante daquele tarado. Quando a esposa dele recebeu a ligação informando do acidente, foi justamente assim que foi apresentada. Estava no carro seu marido e uma amante. Souberam pela posição da condição que se encontravam. A viúva pagou pelo funeral dos dois.

Jader Pires