Não terminou porque a terapeuta tava viajando | Do Amor #178

Os passinhos vacilantes que ela dava em direção ao carro, fazendo tchauzinhos bobos como se ele pudesse não vê-la naquele vestido horroroso cheio de flores enormes estampadas, a cena como um todo lhe dava urticárias, uma vontade incessante de cravar as unhas na própria pele até provocar a erupção da derme vertendo sangue por todo o carro, na rua em que estavam, inundar o quarteirão e levar consigo aquela merda toda de fingimento.

Mas se conteve. Movimentou as pontas da boca para cima num esboço de sorriso, sem saber que mantinha nos olhos toda a melancolia que lhe emplastrava a alma já tinha uma semana. Seria necessário terminar o relacionamento relâmpago com ela. As primeiras semanas haviam sido de entrega mútua à luxúria, ele se aproveitando de uma aluna mais nova e ela experimentando todas as benécies de passear pela cidade com um cara mais velho, ter acesso a restaurantes mais caros, a noites de taça de vinho na mão, ouvindo ele falar de jazz enquanto traçava um ziguezague nua em frente à prateleira enorme de livros dele, fazendo uma sombra prolongada no tapete felpudo da sala. A casa dos garotos da turma dela eram sujas e pouco mobiliadas, com lâmpadas brancas e frias penduradas no teto, sem luminárias para abraçá-las. A casa dele tinha requinte e aconchego, era toda ela âmbar, poltrona de couro para leitura, um abajur de chão maciço com quebra-luz na ponta, alto. Ela dizia que ele dizia ter mais de quatrocentos livros em sua biblioteca particular. Ele girava os olhos para cima na certeza de nunca ter dito a ela qualquer número. Ele reprovava com umas caretas estranhas sempre que ela mentia para ele sobre coisas que ele havia dito. Aquele conto de fadas do professor intelectual que come a alunazinha burra, gostosa e deslumbrada passou de fantasia realizada a fortes ataques de dor em seu estômago. estava levando para sua casa praticamente uma criança com problemas paternos que flutuava com qualquer sinal de força e sensatez dele.

Passou, com os dias, a ter vergonha de si ao dar ordens à ela na hora de transar, percebeu que ela virava o rosto para encará-lo curiosa quando ele não dava os tapas seguros e determinados que ela dizia gostar de receber. A única coisa que ainda funcionava era o sexo oral no carro, porque ele empurrava a cabeça dela fundo entre as pernas fingindo que estava sufocando a pobrezinha enquanto ela chupava com a máxima certeza de que era ele quem estava no comando. Aparentemente, todo mundo saía contente nessa. Mas ter de vê-la saltitante fora do carro indo na direção dele, aquela vozinha líquida, inexata, tentando agradá-lo, buscando falar a coisa certa para que ele a afagasse feito um cãozinho submisso e esfomeado o enchia de náuseas, uma tontura leve, pequenos brilhos em frente aos olhos confundindo sua visão. Em vez de ligar o carro e partir, sem dizer oi, empurrou a cabeça macia dela com força para baixo, quase machucando a garganta dela com o câmbio de marcha. Terminar era a única saída.

Mas não terminaria. Não naquela semana. Sua terapeuta estava em viagem de férias. Grécia, Mallorca, Sardenha, alguma daquelas ilhas bregas. Disse, antes de fechar sua agenda, que claro que casos de extrema necessidades seriam atendidos por ela em seu telefone particular. Aquele ainda não era um caso de extrema necessidade. A menina engasgou e deu leves tapas na coxa dele, trazendo-o de volta e deixando que ela respirasse. Se Tentasse explicar porque não daria certo uma pessoa com futuro brilhante como ela tentar algo com um velho derrotado como ele, necessitaria de horas para fazer os pormenores encaixarem-se na cabeça dela. Se mandasse ela à merda, seria capaz de fazer com que ela se apaixonasse ainda mais, fizesse daquele espezinhamento sua cruzada pessoal para conquistá-lo de vez, cativar o homem sábio e intelectual que achava que ele era. 

Ordenou que ela colocasse o cinto e disse que iriam para casa. Que lá terminariam o que haviam começado. Mais quatro encontros e sua psicóloga estaria em seu escritório para dizer que ele não é o crápula que estava sendo, que ficaria tudo bem com a menininha, o que houve entre os dois é algo natural e corriqueiro, e não uma sanha de meia idade masculina em busca de uma importância artificial para suprir sua própria insignificância para o novo mundo. Não era, ele, um obsoleto . Deu um beijo na boca da sua garota e sentiu a textura espessa do próprio esperma nos lábios dela. Passou a língua em aprovação. Seu gosto pelo menos ainda era bom. Deu partida no carro e desceu a avenida que margeava a faculdade dela.

Jader Pires