A tensão sexual que só existe depois de sonhar com ele | Do Amor #183
"Tá indo pra onde?", a voz esganiçada dele era de quem já tinha passado tempo demais sob o ar condicionado do escritório. Subindo para a estação de metrô juntos, ela foi explicando que teria de ver uma amiga que estava em processo de separação, toda atarantada com detalhes de burocracias. Ela ficou, então, de dar apoio, abrir um excel, comprar um vinho e uma pizza. O carinho da mão dele na cabeça, quase um cafuné, era a maneira encontrada para demonstrar sua empatia por ela, pela amizade dela, e para com a situação chata da amiga. "Tá bom. Eu vou contigo até perto da casa dela", decretou acautelado que faria companhia para que ela tivesse mais uns minutos aprazíveis antes de ser, ela, o ombro amigo.
Sentaram-se no último vagão, que dava de frente para a escada rolante onde ela desceria, e foram dividindo o tempo entre as últimas lástimas do trabalho, rir da Ana Maria dançando Acorda Pedrinho e ela preencher o restante do tempo com questionários sobre a viagem de férias dele para Maceió, se já tinha fechado hotel, qual praia ele pretendia ir, se tava com planos de beber muito, de nadar muito, de comer bastante. Apontava o dedo de esmalte já craquelado na ponta afirmando que ele não podia ser safado e ficar saindo com tudo que era garota lá não, que só o amor verdadeiro poderia ter espaço num passeio tão paradisíaco como o que ele estava planejando. Ordenava para que ele se comportasse enquanto dava boas gargalhadas, como se pudesse ter, ela, algum poder de decisão, e até vontade de poder decidir sobre a vida dele. Mas bons amigos tiram sarro uns dos outros. Era a vez de ela malhar um pouco com ele. Já estavam se encaminhando para, "o quê", indagaram, sete anos de amizade. Ela entrou na empresa três semanas depois dele. Trabalharam na mesma área, ela foi para outra, ficaram um recorte meio distantes, depois ele foi promovido para exercer um cargo na mesma sala que ela, mas com competências diferentes, o que dava as condições perfeitas para que estreitassem os laços, a afeição e camaradagem, já que tinham proximidade física sem que o serviço de um dependesse ou interferisse na labuta do outro. Então restavam os cafés e os desabafos. Despediram-se dentro da estação. Ele retornou para o trem e ela seguiu ao resgate da amiga divorciada.
A noite foi de ouvido e peito aberto, mais duas garrafas e meia de um merlot meio ácido demais. Capotou no sofá da amiga com planos de ir para o trabalho na manhã seguinte com alguma roupa emprestada. Cochilou com a cara formigando, avermelhada. No sonho, ou melhor, na porradaria de sonhos em dúzias, em quilos, aos borbotões, um padrão, uma ação repetida, constante, regular. O amigo que lhe fez companhia no metrô. E ela dando pra ele. Uma floresta, a luz de estrobo da balada cintilando dentro da cabine do banheiro. Ela transava com ele em pé na portaria do edifício em que trabalhavam, mergulhada no banco do ônibus, no trânsito, com todo mundo olhando, enchendo o busão com uma salva de palmas orgulhosa do trabalho dela, a saliva grossa, deitada no chão gelado da cozinha da mãe dela, que nunca teve aquela cozinha, mas podia sentir a presença materna próxima, ela de regatinha das Meninas Super Poderosas, puxando ele pelo braço para que a amiga divorciada não os visse na escada do prédio. Chupava a Língua dele em uma sala de espera, abria a braguilha da calça dele num churrasco, tinha os cabelos puxados para trás na sala de aula da escola municipal da sua adolescência. Rodou a madrugada fodendo com o garoto em cenários e temperaturas variadas. Despertou seis e tantas com as pernas flácidas, a cabeça rodando e um estranho gosto de bolas na boca. Tomou o banho mais demorado que pôde, zanzou pelo apartamento silencioso quanto deu. Trocou poucas palavras com a amiga, seu corpo estava ainda aceso, pequenas explosões na pele a distraía de qualquer papo de mais de dez segundos. Pediu desculpas, foi para o trabalho em transe, guiada pelo costume de chegar todo dia no mesmíssimo lugar.
Quando ele deu o ar da graça, ela procurava no alto das paredes onde diabos ficava aquele barulhento alarme de incêndio, mas era a ressaca dela. As ressacas. Ele deu tchauzinho à distância e a mão grande ele escorregando de um lado para o outro a fez ajustar a coluna na cadeira. A digitação ágil dele pela manhã parecia mais uma série catastrófica de estalactites caindo pesadas na caverna da cabeça dela. Pontadas no umbigo, abanões na cintura. Ele se levantava para mexer em alguma gaveta e ela se recordava de coisas que nunca existiram, fragmentos de perversões que nunca sucederam. Era um sonho. Vários. Uma sequência de quimeras sensuais que devastaram-lhe a razão. Não foi almoçar com ele, deixou o café para outra hora, fingiu três reuniões pelo computador para ficar afundada com os fones de ouvido olhando para a tela.
"Ei! Tá indo pra onde?". Era a voz esganiçada dele que a fez caminhar mais rápido na direção oposta. Foi para casa caminhando naquele fim de tarde. Tomou três banhos sem abrir as mensagens não lidas dele no celular. Gozou em todas as três duchas.