Jantei com minha amiga e a esposa dela estava uma delícia | Do Amor #186
"Porra, vai tomar no cu, garota". A voz estrepitosa que saía pelo celular transformou aquele pedido de desculpas em um evento espalhafatoso. Todos na fila do banco botavam os olhos nela, com o celular no último volume e a mensagem curta repetido uma dúzia de vezes porque, ao invés de cancelar o viva voz, ela procurava com os dedos frouxos baixar o volume do aparelho.
Na noite anterior, foi ao restaurante com sua melhor amiga da época do colégio e a esposa dela. Haviam se casado havia um par de anos e, por conta da pandemia, ainda não tinham sido apresentadas como um casal. Marcaram às oito, trocaram abraços demorados na entrada. Sua amiga continuava deslumbrante, brincos enormes nas orelhas, dourados, a esposa dela tinha o cheiro mais gostoso do mundo todinho, um perfume adocicado que a fez pensar que gosto deveria ter a pele dela. Lindas. Era uma cena tão apetitosa a delas duas juntas que ela juntava os pulsos com ambas as mãos fechadas dizendo que, se pudesse, esmagaria aquelas duas. Sentaram-se e pediram uma rodada de caipirinha de caju. Brindaram com copos ao alto e promessas de se verem mais vezes. ela pediu, então, que o casal contasse, sem ocultar os pormenores, como haviam se conhecido, se apaixonado, como havia sido o casamento íntimo. Escutou a história de uma se esbarrando com a outra na areia da praia do Leme, ali perto das pedras. Antes do fim do pôr-do-sol elas já estavam se pegando no calçadão. Sua amiga contava a história de maneira expansiva, rindo, empurrava os ombros de sua companheira com os seus para que ela concordasse com a sequência de fatos, emulava na mesa o ímpeto com que tinha beijado-a alguns anos antes. E era correspondida. As duas trocavam as línguas como se a da uma pertencesse à outra e, engolindo a cachaça com o amarrado do caju, ela assistia a tudo efusiva. sempre será uma alegria vendo gente que se ama, bem, se amando.
As horas foram ficando perigosas, a madrugada sentando-se à mesa com elas, Soltas, os papos, a troca. Ela segurava a mão de suas agora duas amigas, movimentava os polegares em gentis semi círculos, para um lado e para o outro. Queria provar do amor daquelas criaturas apaixonadas e apaixonantes, sugá-las até saciar qualquer febre. Fez questão de dar carona até a casa delas, aceitou o convite para um café, chegou em sua casa já com o sol dando licença para mais um dia, passado já das seis e tantas.Antes de dormir. mandou as fotos que pediu para o garçom tirar para o grupo no whatsapp com as três. escolheu a que mais lhe favorecia, uma que tinha a imagem dela com um sorriso de garça, fechado, escondendo os dentes, mas esticado dada a emoção de um jantar especial. Ajustou a iluminação no aplicativo e publicou em suas redes sociais. Na legenda, a explicação: "jantar com a minha amiga e a mulher dela estava uma delícia". E foi dormir sem a vírgula. Sem o ponto final.
Na manhã seguinte, dezenas de mensagens em sua caixa, centenas de likes na fotografia, milhares de pessoas que ela nunca tinha visto uma vez sequer. Ela tinha caído na rede. Por causa da legenda. E era uma legenda incrível, o duplo sentido cômico, a cara de panaca dela na foto. Chegou a rir sozinha do equívoco. Mas a amiga dela, a que de fato experimentava, sempre que podia, a esposa deliciosa ficou puta e mandou ela tomar no cu. Alto. Pra ela escutar na fila do banco. Com todo mundo em volta.
No fim da tarde, ela recebeu no grupo uma mensagem de desculpas. Era um pedido de retratação em áudio e muitas risadas ao final. E uma despedida por escrito, como "a esposa que estava uma delícia''. E ela pensou, aliviada, que devia estar mesmo.