Quando você percebe que ela estava flertando | Do Amor #199

Sabe quem gostava bem de café? A Eliza. Foi ela quem me ensinou, com os dedinhos fininhos que ela tinha, a botar as porções certas de água, de pó, o tempo de esquentar e de derramar de pouquinho, lavar o filtro antes. Tem, o que, uns quatro anos que não a vejo? A gente chamava o namorado dela de Jota Jota. João Japa. O cara era de família coreana, que babaquice a nossa. Mas combinou com o ex-técnico que tava em voga, então a gente seguiu. O Jota Jota nem tomava café. Ele tinha uns problemas lá com o estômago dele, alguma ite de esôfago. Ou era falta de sono? Se eu tivesse a bundinha linda da Eliza dormindo ao meu lado, certamente faria greve de sono pra não dormir nunca mais. Abraçaria a cinturinha, aconchegaria meus ouvidos nos dois travesseiros que as nádegas dela me dariam. Eu ia ficar maluco. Quando ela começou a trabalhar com a gente, em dois dias parecia que éramos irmãos de anos, ela chegava na minha mesa e baixava os óculos com uma das mãos e me piscava um dos olhos e depois ia embora sem falar nada, só de brincadeira.

Eu tomava um balde de café por dia naquela época e conforme as semanas iam passando, cada vez eu tinha mais a companhia dela lá na copa onde ficava a cafeteira. Quando ela viu minha tatuagem de grãos um pouco acima do pulso, ficou com uma inveja tão grande que foi lá e fez uma igual, coisa de dias depois. Os viciados em cafeína, a gente falava enquanto mostrava os desenhos parecidos para quem quer que entrasse na cozinha. Foi ela quem me deu de presente o primeiro pacote de seleção especial, de torra clara. Cada dia me contava uma coisa diferente sobre, botava os dedinhos fininhos em frente a boca pra me denunciar o segredo dos baristas e, de vez em quando, desabafar sobre o namoro dela com o Jota Jota. a gente ficava sentado na mesa oval da copa bebericando das nossas xícaras idênticas que ela comprou numa cafeteria em Seattle e, enquanto baixava o olhar e rabiscava desenhos imaginários com as unhas na madeira da mesa, trocava comigo sobre suas pequenas frustrações na relação com o japonês coreano que ela namorava, de como ele não tomava café com ela nem gostava de transar com ela na cama pela manhã. "Ele fica falando que hálito amargo atrapalha a concentração", ela se abria com a voz bem baixinha e eu sugava com as narinas a acidez sutil que saía da boca dela. Numa daquelas manhãs ela chegou a me enviar logo cedinho umas mensagens com uma foto no meio dizendo que havia sido mais uma vez reprovada pelo Jota Jota que tinha ido tomar banho e largado ela sozinha na cama. A fotografia era dela sozinha deitada, o pijama dela, curto, todo repuxado, e ela fazendo biquinho. Eu achava tudo aquilo um desperdício sem tamanho, se a Eliza me desse chances naquela época eu já teria virado o pequeno zumbizinho dela, sempre de olhos abertos, litros de café por dia, todas as trepadinhas matinais de que ela necessitasse para que seu dia fosse o melhor possível.

Mas ela foi parando de falar comigo, acumulava menos idas à minha mesa, tomava menos xícaras de café, resmungou uma vez que tava sentindo uns incômodos na barriga. Uma semana depois, eu vi a caneca que ela comprou pra gente usar junto lá com uma das meninas do financeiro. A garota nem bebia café, só gostava do desenho da caneca, botou na mesa dela entulhado de canetas. No mês seguinte, a Eliza já não trabalhava mais com a gente. Mudou de emprego, parece que recebeu uma boa proposta pra se mudar, foi morar no Paraná. O Jota Jota não foi com ela, parece que terminaram o namoro nesse furação de novidades dela. A última vez que eu o vi ele comentou algo sobre ela ter engravidado de um cara que ficava falando de cafés com ela na cafeteria onde ela comprava os nossos cafés especiais. A informação me deixou encafifado porque a Eliza não deixaria de me contar sobre alguma escapadela dela com outro cara, a gente falava de tudo, a confiança dela em mim parecia a mais sólida possível. Ela até chegou a comentar que tinha vontades, murmurou me trazendo pra perto dela na copa do trabalho que até que me pegaria mesmo namorando. Eu fui pra casa achando uma pena ela dizer que pegaria e não que queria pegar e…

Pera aí.

Jader Pires