Qual é o teu hobby? | Do Amor #224

Abaixou a calça, também a calcinha, e se masturbou na terceira cabine do banheiro feminino no sétimo andar. O som ambiente das caixinhas acopladas no teto acobreado tocava uma música do Nando Reis, que a fez demorar mais para gozar, a música se aliava não com a lasciva, mas com sua depressão. Complicou as coisas um pouquinho. Abotoou-se, tão logo teve a ansiedade consolada, a reunião catastrófica tirou-a do eixo por completo, escutar as coisas que escutou, aceitar as demandas que havia aceitado, tudo bem, tem que a gente leva a rasteira mesmo, bater uma siririca parecia a decisão mais acertada para realinhar-se e seguir com menos peso. Lavou as mãos, seu reflexo no espelho, sujo com respingos de pasta de dente, a encarava com vergonha. Mas era o fim, mais um dia de expediente encerrado.

Na rua, o vento lambia-lhe a cara que ela levou como apreço do mundo para com ela. Saída do trabalho, a vida lá fora era boa e só poderia dar certo. Caminhou com passos calculados, cada avanço uma tentativa de esquecer o passado recente, os olhos piscavam repassando o futuro brilhante que teria nas próximas horas, entrar no bar favorito, pedir o fitzgerald favorito, ficava horas esfregando os dedos no áspero do copo suado, sua amiga a recrutaria para alguma viagem costeira no feriado, escutaria algum elogio bobo do primeiro rapaz com mais coragem de verbalizar qualquer desejo por ela, ficaria lisonjeada e daria, claro, corda para que ele tentasse elogiá-la, mesmo não tendo real interesse nele, um carinho, às vezes, sempre caía bem. Sentou-se no balcão, cruzou as pernas, viu a garota que a acompanharia naquele fim de tarde entrar. Brindaram, a amiga desabafava algo sobre o trabalho dela mas o jazz a impedia de escutar os detalhes, a voz afogada no copo alto com um tablete de gelo. Mexia a cabeça como se concordasse, precisava apenas fingir compreender a dor alheia, por uma questão de classe.

Por cima do ombro da colega, avistou de relance o cara que ensaiava uma aproximação, já metia os olhos dele na conversa delas, tomava um gole de cerveja, rodava entre os dedos a garrafinha esverdeada, procurando a palavra certa ou tentando colocar-se numa pose blasé, montando artificialmente a maior das espontaneidades. Ela cutucou de leve a parceira, sorriram um silêncio cúmplice, mesmo sabendo que qualquer das duas que desse mais atenção, para ele, seria vitória, ele provavelmente não se importava qual das duas amanheceria na cama dele. Elas deram abertura, diminuíram a conversa, olharam de volta para ele, um aceno de testa, uma virada de ângulo que claramente possibilitou que ele chegasse a ficar bem acomodado entre elas, falava com uma, virava o rosto para responder a outra, um expectador de tênis, paciente e atento. Fez elogios, pediu que elas contassem histórias, abriu espaço para que ambas pudessem desabafar sobre seus péssimos dias no trabalho. Se não fossem tão amigas, até se doariam à experiência de dividir o moço. O toque dele, amigável e acurado, na cintura dela aproximavam os dois, sem perceber, estava na posição de arrumar os cabelos, deslizar o lábio inferior em toda a extensão do lábio superior, de dar tapinhas com a ponta dos dedos no ombro rígido dele quando a piada a agradava. E aí, segurando a long neck com o polegar e dedo médio para, com o indicador, poder apontar para ambas, ele perguntou qual era o hobby das duas. E o mundo parou.

Elas se entreolharam, as pupilas engordando, as palavras faltando. Ela pigarreou e logo depois inundou a garganta com o último gole do Fitzgerald. Pediu outro sem responder ao rapaz, não por falta de interesse ou educação, mas pelo simples fato de não saber o que responder. Ela era a mulher trabalhadora que reclamava da reunião, fazia as unhas para aparecer bem no escritório. Levava a vida. A amiga soltou algumas vogais em interjeição, oh, ah, ih, os dentes e a alma atormentada à mostra, a grande enciclopédia da vida das duas ofereciam um total de zero respostas àquela pergunta. O buraco na conversa. Pagaram as bebidas, se despediram do rapaz, saíram do bar abraçadas a um profundo silêncio. Se perguntavam, secretamente, quem eram, o que poderiam chamar de um gostar.

Nunca mais botaram os pés naquela espelunca.

Jader Pires