Ela me tirou do close friends dela | Do Amor #225
Os suores noturnos empapam-lhe os lençois, a estranha falta de fome pela manhã que persistia ainda no terceiro dia, segundo ele, em desgraça. O sol escapava de sua janela, as músicas não cantavam mais a vida dele, seus livros não continham mais as custosas e sensuais aventuras, mas um emaranhado de páginas de má qualidade com umas palavras impressas porcamente. O mundo havia perdido muito da graça. Tudo porque, num toque equivocado, falou alguma besteira, provocou alguma celeuma e lá estava ele, banido do close friends dela.
Entrava no aplicativo, as fotinhas com retratos das pessoas que ele seguia, mas não se importava, diversos risquinhos arroxeados e rosáceos lhe diziam que tinha muitos stories para bisbilhotar. Festas, caminhadas, treinos de quadríceps. Não era o que ele queria ver. Antes do almoço e lá estava ela no meio dessa patotinha, a fotografia com o meio sorriso e as covinhas, uma de cada lado, um buraquinho em cada começo de bochecha, de um lado, e ele se orgulhava de olhá-la com a atenção para perceber, levemente mais profundo que o outro, o cabelo acobreado todo jogado por sobre um dos ombros, a blusa manga única, o pescoço desenhado, a protuberância da saboneteira à mostra, que ele se recusava chamar de clavícula aquela massinha tão apetitosa de carne, ossinhos e concupiscência. Só que ele veria o que todo o resto da humanidade estava autorizado a ver, músicas que ele gostava e ela compartilhava, fotos antigas e novas, os doces, as estradas, os pacotes dos biquínis em cima da cama, que ela nos apresentaria como recebidos pagos. E não que tudo isso não o atraía, era uma espécie de paliativos para as dores dele, isso porque, uma vez aberta a caverna, nunca mais essas sombras trariam imaginação aos curiosos olhos dele. Meses antes, o convite silencioso apresentaria ao jovem rapaz o que ele chamaria de verdadeiro propósito, publicações dela em verde, diferente, distinta, escondidinha, Era a entrada dele nos amigos próximos dela, um mundo onde os biquínis que jaziam sem vida na cama ganhavam os contornos das ancas dela, dando girinhos como se os experimentasse de frente para um espelho iluminado de loja. Novas músicas, divididas não mais com quem o algoritmo tivesse vontade, mas com uma pequeníssima, na cabeça dele, parcela da população mundial, amigas do coração, os contatinhos que não o incomodavam, o coração dele era grande o suficiente para amar quem ela estivesse disposta a amar, era sua minúscula seita, privada, particular, restrita. Especial. Uma vez ela disse que gostava de ver ele por lá.
Só que ele não estava mais. “Castigo”, ela mandou por mensagem privada, ele de quatro, ela empinando o nariz, fechando os olhos, afirmando bárbara e brutalmente que, talvez, se muito bem lhe fizesse, quem sabe poderia voltar. Se fosse, única e somente, por razão de merecimento, sem citar qual era a tarefa ou comportamento que ele deveria adotar. E disso vieram as leves tremedeiras seguidas dos soluços e a perda gradual do apetite, do sono. Mas manteve-se um bom garoto, silencioso, obediente, expondo ao mundo uma serenidade que não condizia com o fogaréu que apoderava-se de seus órgãos. No domingo da entrega dos prêmios do Oscar, já entrando a madrugada, lá estava uma atualização dela não mais nos insossos tons púrpuros do cotidiano público, mas o esmeralda anúncio de que, mais uma vez, estava apto a vê-la desnuda, não de roupas, mas de pudores da vida em família, em sociedade. Tinha, mais uma vez, o descortinado dos comportamentos, digamos, livres para que ele e suas companheiras e companheiros de seletíssima plateia, pudessem desfrutar. “Ainda estou aqui ganhou o Oscar, o Walter Salles me deixou tão feliz que te coloquei de novo no close friends", foi a mensagem que ele recebeu.
No dia seguinte, foi ao banco fazer três empréstimos como forma de agradecimento.