Agora que eu não quero, ele quer | Do Amor #228
Os pacová lá no teto, cheíssimos, porque já devia ser a vigésima sexta, vigésima sétima mensagem só naquele dia. Me ligou outras tantas vezes na semana, e eu? Naquele doce de agora já não quero mais. Na cabeça, óbvio, eu me imaginava com ele em Veneza, sabe, romance, o gondoleiro lindo cantando o amor pra gente, as sobrancelhas grossas bailando innamoratas, as mãos enormes dele puxando e empurrando o toco de madeira que nos levaria pelos canais turquesa e cereja. Mas, aqui, descalça no chão da cozinha, moendo as unhas para limpar direito o meu fogão quatro bocas, terminantemente virava a cara e dizia não.
Imagina só se eu me deixaria levar por mimimi de quem, meses e meses antes disso, ficava me negando, fingindo todo um sem número de infortúnios e impossibilidades para não estar comigo, não me levar para um passeio, a porra de um sorvete de abacate da Dona Odette, não, não pode, sabe como é, quem sabe no mês que vem, ah, me poupe, vou eu, então, sozinha, junto uma moeda aqui e outra acolá, também vê se eu vou ser lá mulher de ficar dependente, precisada. Até porque, vocês conhecem bem o tipo, um dia ele te dá o tênis de academia branco e laranja e no outro tá comendo o seu cu sem autorização, ou melhor, com os silenciosos combinados prévios que você já não tem mais como negar. E dói na bunda, tá? Dói.
Mas aí ficamos nessa, eu, tonta, rastejava, mandava imagens, contei da minha vida mais de uma vez, avisei que estava desimpedida, pra quê, ganhar ghost, claro, sumiços, faltas de aviso, as redes sociais agitadíssimas com pessoas para quem ele dava atenção, festinha, carro novo, roupa de cama cem por cento algodão egípcio mil fios, sim, mil. Euzinha, aqui, repousando sozinha meu corpinho num conjunto Itatiaia Marabrás. Era bem mais de um motivo para eu mandar tudo às favas e manter comigo o que tenho de mais importante, minha dignidade, certo? Mas claro que não, toda segunda seguinte tava lá, eu, outra vez, tentando contato, pedindo atenção, botava roupa bonita, arrumava o cabelo, burra, burrinha, atrás de aprovação, e o silêncio abissal me tragava, outra vez, para uma tristeza sólida, o doloroso ermo da não resposta. Fantasias, hoje ele vem, jajá ele vai vir falar comigo, deus, como eu suportei essa arrogância toda?
Só sei que, assim como os dias eram deles, os dias me afastaram dele. Um feriado e que a gente tem mais o que fazer e esquece de dar oi, um bolinho gostoso que a gente faz, mimos, né? Passa quarta e quinta e sexta, a gente gosta do que tem, se olha no espelho e o reflexo é bom, sorriso, maquiagem barata, mas bem feita, quem precisa daqueles produtos importados quando se tem uma deliciosa beleza natural, não é mesmo? Se gostar, porra, é uma arma bem poderosa. Acabou que esqueci dele. Mas, claro, é aí que ele aparece, me liga, manda mensagem de whatsapp, sms, eu nem sabia que isso ainda existia, mandou até mensagenzinha de pix no aplicativo do banco, pode? Só faltava botar um outdoor na esquina de casa. Não duvido que coloque não. O problema é que agora já foi, não quero mais, não preciso mais. cartão de crédito Nubank.
Vê se me esquece.